O crime, o poder e a lógica da força: porque os homens se matam na política

FÁBIO COIMBRA é cidadão turilandense; nascido no povoado centrinho; graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão [UFMA]; iniciou sua formação filosófica pelo Studium Filosoficum de Curitiba e deu continuidade pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Dedica-se exclusivamente a estudos na área de Filosofia Política, com ênfase na teoria contratualista onde analisa a origem do Estado e os princípios do direito político a partir da passagem do Estado de Natureza para o Estado de Sociedade, com ênfase em Thomas Hobbes; é bolsista da CAPES com atuação no PIBID [Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência]; é membro do grupo de estudos em Ética e Filosofia Política da UFMA; É membro do NEPS [Núcleo de Estudos e Pesquisa do Sindicalismo] que se concentra nos estudos sobre Karl Marx; é membro do grupo de estudos em Filosofia Francesa. Atualmente é professor voluntário do cursinho pré-vestibular da UFMA (PROJEDIS). Até o momento, publicou 13 resumos e 4 artigos completos em anais de eventos e apresentou 14 artigos em eventos científicos no Brasil. Atua principalmente nos seguintes temas: Thomas Hobbes, Estado, política, poder, estado de natureza, liberdade, lei e direito natural e civil. Tem interesse especial por filosofia britânica e filosofia francesa.



Pretendo neste escrito político-filosófico elucidar as causas da barbárie nas ações políticas que trazem à luz a dita politicagem e tudo o que lhe é inerente em detrimento do politicamente correto, em sentido amplo. Para tal, valer-me-ei das reflexões e teorias políticas e filosóficas daqueles que a história registrou como ícones e pilastras do pensamento político e do Estado, especialmente o Estado moderno, que nasceu das cinzas do antigo Estado feudal. Desse modo, lançarei mão do pensamento político daquele que foi – diga-se de passagem – o primeiro e maior observador das ações e comportamentos humanos no campo político, a saber, o pensador italiano Nicolau Maquiavel. Assim, ao falar dos crimes, no sentido amplo do termo, buscarei na obra O Príncipe, de Maquiavel, a base para a construção de argumentos consistentes que dêem conta da justificativa ou da explicação para o porquê de tanta barbárie, maldade e crueldade que permeia a esfera política. Desse modo, levantarei a hipótese de que entre a política e a politicagem situa-se a esfera do poder. E nessa perspectiva, enfatizando Maquiavel, vou advogar e sustentar a tese de que é da disputa pelo poder – enquanto instrumento de dominação e conservação – que advém os crimes, o assassinato, o roubo, a fraude, a rapinagem e tudo o que não presta e que geralmente está agregado ao campo político, mas, que não faz da política enquanto arte de governar bem uma cidade, um Estado, uma nação etc. Ao final, vou convidar os leitores – se, de fato, quiserem entender o porquê dos crimes nas ações políticas – a pensarem sobre a seguinte questão: qual é a essência do poder? E ainda: o que o poder tem de interessante de modo que por causa dele os homens se matam, vidas são tiradas e sangue inocente é derramado? Pensemos e reflitamos juntos sobre isso. Pois, isso nos ajudará a entender melhor a política e assim evitar os erros do passado.


Recentemente apresentei – no Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – a minha monografia de conclusão de curso versando sobre a origem do Estado a partir da noção de igualdade humana no estado de natureza. Busquei mostrar como surge essa instituição – o Estado – na qual nós estamos o tempo todo submissos a uma série de regras que limita nossa liberdade de ação. O que quero, aqui, é chamar a atenção para a expressão estado de natureza. Trata-se de uma hipótese que foi formulado pelos pensadores contratualistas como, por exemplo, o suiço Jean-Jaques Rousseau e os ingleses John Locke e Thomas Hobbes. Com essa hipótese do estado de natureza, eles pretenderam mostrar como o estado de sociedade nasce a partir de um contrato celebrado entre seus membros. O estado de natureza – enquanto hipótese – designa uma condição de vida e existência na qual não há juiz, nem autoridade política, nem advogado, nem tribunal e nem polícia. Seria um estado no qual todos pudessem fazer o que quisessem na hora que melhor lhe aprouvesse. Em resumo, seria o estado de anarquia e de desordem, o reino do caos. Thomas Hobbes vai dizer que é um estado de guerra de todos contra todos. Essa teoria político-filosófica é interessante dado que nos ajuda a entender porque obedecemos às regras que nos são impostas. E, desse modo, é também interessante haja vista nos introduzir na compreensão dos princípios da política.

A despeito da política enquanto arte de governar, na antiguidade – desde os gregos – já havia a intenção de se fazer ou construir um bom governante. Foi lá (na Grécia antiga) que surgiu aquela forma de governo que ainda hoje perdura, e que nós conhecemos como o nome de Democracia. Nesse período, Sócrates, Platão e Aristóteles se destacaram como os maiores pensadores da polis (cidade, em grego). Sócrates, que já havia percebido a esperteza dos governantes, foi condenado à morte uma vez que fez a denúncia das mazelas sociais, denúncia essa que se deu na forma de educar os jovens de Atenas. Por isso ele foi acusado do crime de corromper a juventude, quando na verdade ele só queria instruí-los. Mas isso não foi bem visto pelos olhos das autoridades políticas. Assim como Sócrates, Jesus Cristo também foi morto por decisão política na medida em que igualmente fez a denúncia das injustiças que marcavam as instituições e a sociedade de sua época.  Nesse sentido, a morte de cristo é mais um fator político que um fator religioso. Os interessados na morte de cristo eram nem tanto aqueles que não acreditavam que ele fosse filho de Deus, mas, sobretudo aqueles tolos de vista tapada frente as falcatruas do poder. E a sentença de Cristo, assim como a de Sócrates, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Abraham Lincoln, irmã Dorothy Stang e – se quisermos – a de Décio Sá e tantos outros nada mais é do que o resultado, ou estopim de uma situação que se constitui como ameaça para aqueles que estavam no poder: ameaça de perder o poder.                   


Na Idade Média a Igreja tentou cristianizar a política colocando-a por cima das secretas complexidades da subjetividade da natureza humana. Nesse contexto, a Igreja pretendia ser superior ao Estado em assuntos humanos e políticos. Para se ter uma idéia, em algum momento da Idade Media, o papa tinha um conselho consultivo ao qual, muitas vezes, o rei tinha que consultar antes de tomar algumas decisões.             
                              
No final da Idade Média e início da Idade Moderna, a disputa pelo poder – diga-se de passagem – fragmentou a Itália em vários Estados independentes e desarmônicos entre si, como, por exemplo, o Reino de Nápoles, o Ducado de Milão, a República de Veneza, a República de Florença e os Estados Pontifícios. É nesse contexto que aparece Nicolau Maquiavel, cidadão florentino e maior pensador político do início do período moderno. Alem de escritor, historiador e filósofo por afinidade, Maquiavel foi um grande nome da política italiana desse contexto. Como secretário da República de Florença, ele fez varias viagens pelas regiões da Itália e arredores. O que mais chamou a atenção de Maquiavel pelos lugares onde passou foi a maneira como os homens se comportavam e agiam em matéria de política. Maquiavel viu que por causa do poder o assassinato era uma pratica quase que corriqueira na vida política. Percebeu que os homens se matavam e faziam de tudo para permanecer no poder. Por isso ele foi um grande observador do comportamento e da natureza humana em sentido político. Como a Itália estava dividida em estado que brigavam entre si, Maquiavel – a partir daquilo que observou da política – escreveu um livro intitulado O Príncipe (que aqui recomendo aos leitores). Esse livro ele dedicou a Lourenço de Médici no intuito de dizer o que ele deveria fazer para unificar a Itália libertando-a das mãos dos bárbaros. Esse livro, que é composto de 26 capítulos, divide-se em duas partes principais. Na primeira ele trata da força e, na segunda, trata da aparência.              

       
Tradicionalmente pensava-se que para governar era preciso ter força. Daí a idéia de que o governante tinha que ter um poderoso exército. Entretanto, quero chamar a atenção aqui para o fato de que na vida política há algo mais importante que a força. Nesse contexto, Maquiavel insinua que o governante político deve ser também inteligente. Pois há dois tipos de combate: um pela força e outro pela inteligência. Este segundo é próprio dos homens, o primeiro é próprio dos animais. No capítulo XVIII do livro, Maquiavel compara o governante a um centauro para dizer que ele deve usar tanto da humanidade quanto da animalidade.

Quando Maquiavel alude que o governante deve aprender a não ser bom, isso não deve ser entendido como se ele tivesse querendo dizer que o governante político devesse ser sempre mal. O que ele quer dizer é que o governante deve se valer ou não da maldade conforme a necessidade. Nesse sentido é que ele argumenta que quem quiser ser sempre bom em tudo o que vier a fazer, vai acabar se arruinando em meio a tantos que não são bons. Logo, o governante deve aprender a ser mal e a ferir quando assim for preciso para a garantia da estabilidade política. É por essa razão que a força se configura como um elemento necessário da vida política

Do pensamento de Maquiavel ainda foi extraída a máxima “os fins justificam os meios”. Entretanto, essa máxima foi desvirtuada e passou a ser usada pelos políticos desde o tempo de Maquiavel até nossos dias atuais como forma de justificativa teórica para a bandidagem dos políticos que praticam a politicagem. Quando se diz que os fins justificam os meios deve se entender por meios justificados corretamente apenas aqueles que concorrem para o bom andamento da sociedade e para o benéfico de todos(já que vivemos num regime democrático), e não para o benefício particular de alguns, um grupo, ou uma família (como, por exemplo, a família Sarney no Maranhão). A interpretação errada da máxima os fins justificam os meios é a seguinte: se o objetivo do governante político é se manter no poder, então, qualquer meio que ele vier a usar para o alcance desse fim estará justificado. É por causa do poder que os homens se matam. Portanto, se ele – o poder – é condição da política, também o é da politicagem. 


E se quiserem aprender mais sobre isso – e sobre política em geral – leiam Maquiavel, especialmente o livro O Príncipe. No meu blogger (philosofiaeciencia.blogspot.com) há um artigo que escrevi intitulado “A lógica da força em Maquiavel”. É um artigo bem pequeno e sugiro-o como leitura de apoio a reflexão. Então, pensemos nisso.