35% dos professores de educação infantil não têm diploma; entenda a
importância da formação em pedagogia
Especialistas comentam a relevância dessa etapa de
ensino para as crianças e explicam por que a graduação é fundamental para a
qualidade do trabalho desenvolvido na escola.
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Foto Reprodução do G1 |
Eu realmente preciso me formar em
pedagogia só para saber brincar com crianças na escola? Vamos rever a frase: a
educação infantil vai muito além do “só brincar”. É uma fase essencial para o
desenvolvimento. Exatamente por isso, o profissional que conduzirá a turma deve
ter preparo suficiente para lidar com uma tarefa de tamanha responsabilidade.
Apesar disso, no Brasil, segundo dados do Censo Escolar
2016, 35,6% dos professores que atuam em creches estudaram só até o ensino
fundamental ou ensino médio. Dentre aqueles que concluíram cursos universitários,
apenas 89 fizeram doutorado, com maior concentração na região Sudeste (56
docentes). No Nordeste, apenas 6 alcançaram esse nível acadêmico.
Nos demais anos da educação infantil, a porcentagem é
semelhante: 33% dos professores não têm curso superior. Do total de 313.669
docentes dessa etapa de ensino, apenas 132 têm doutorado – estando mais de
metade deles (54%) no Sudeste.
A coordenadora do Instituto Vera Cruz, Andréa Luize,
explica que, legalmente, a educação infantil integra a educação básica, ou seja,
tem a mesma importância que os ensinos fundamental e médio. “Não há, por isso,
razão para não ter profissionais graduados em pedagogia. Eles devem ter sua
formação inicial focada na docência e na gestão escolar. Devem conhecer as
especificidades da faixa etária e o papel, os objetivos e o currículo da
educação infantil”, afirma.
Para o Aldeir Rocha, gestor de serviços educacionais da
Edições SM, o professor que atua na educação infantil e que não recebeu
formação adequada não terá, em geral, as ferramentas necessárias para
desenvolver os objetivos da escola nessa etapa de ensino.
“As aulas ficam restritas à espontaneidade.
Precisamos de pessoas capacitadas para que as crianças se desenvolvam da forma
adequada”, diz.
Ele cita alguns desafios que os professores
enfrentam na educação infantil – e que requerem a formação em pedagogia:
1.
Saber colocar intencionalidade educativa nas
brincadeiras e no convívio entre todos, para que mais habilidades sejam
desenvolvidas;
2.
Conhecer os objetivos da etapa de ensino e
conseguir organizar o processo escolar para dar conta de todos esses eixos. O
professor lembra que, pela primeira vez, com a Base Nacional Comum Curricular,
teremos um documento que especifique, em detalhes, as metas da educação
infantil;
3.
Conseguir elaborar atividades adequadas à
idade de cada criança e aos objetivos de aprendizagem a serem atingidos;
4.
Fazer uma observação sistemática de cada
criança, para monitorar o desenvolvimento dela;
5.
Registrar a trajetória de cada aluno e
refletir sobre os efeitos das práticas de ensino;
6.
Saber rever o próprio trabalho e, quando
necessário, mudar a estratégia pedagógica.
A conselheira vitalícia da Associação
Brasileira de Psicopedagogia, Irene Maluf, afirma que as políticas públicas
devem se preocupar com a formação de quem irá recebê-las.
“Se houvesse esse cuidado, teríamos alunos
mais preparados futuramente. O investimento na primeira infância é saúde
mental, saúde social. É garantir geração capaz e autônoma, que pode levar o
país para frente”, afirma.
“Em alguns países europeus, o professor de
pré-escola precisa ter graduação e experiência por muitos anos antes de assumir
uma turma. Na Alemanha e na Finlândia, todos têm uma fundamentação teórica
enorme na pedagogia para poder começar a trabalhar com as crianças. Isso porque
o que é feito na infância não dá para remendar depois, nem substituir”, diz
Irene.
Mas a educação infantil é tão importante assim?
No Brasil, a sociedade tende a menosprezar o educador que trabalha na
etapa inicial de ensino. Somente em 2009, com a aprovação da Emenda
Constitucional nº 59, é que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação passou a
tornar obrigatória a matrícula de crianças de 4 a 5 anos. As mudanças começaram
a ser sentidas na prática em 2016, prazo final para que os estados e municípios
se adaptassem à nova norma.
Mesmo assim, a universalização dessa etapa não foi atingida: o Plano Nacional
de Educação (PNE) pretendia que 100% das crianças dessa faixa etária fossem
atendidas até 2016, mas a porcentagem chegou a 89,6% até o fim daquele ano.
Além de investir na formação dos professores, como dito
anteriormente, é necessário também dirigir esforços para que as crianças sejam
matriculadas na educação infantil e recebam atendimento adequado.
Irene Maluf elenca as principais razões que explicam a
relevância dessa etapa de ensino:
As crianças aprendem nas brincadeiras
“Nas brincadeiras, as crianças aprendem a elaborar situações, a ter
empatia e responsabilidade, a seguir regras, a saber esperar sua vez e a conter
seus impulsos. Elas valem tudo e são a melhor forma de aprender antes dos 6
anos”, diz.
Os avanços ocorrem também do ponto de vista neurológico
“Do ponto de vista neurológico, a criança vai desenvolver funções
básicas para o aprendizado que ocorrerá nos anos seguintes. Em um jogo, por
exemplo, ela trabalha noções de atenção, de memória, de compreensão, de
linguagem e de compreensão de regras. Quando brinca, ela forma ligação entre as
sinapses, porque as coisas fazem sentido na brincadeira. É só lembrar que,
quando adultos, recorremos a histórias e a parábolas para entender situações. O
lúdico, para o cérebro humano, facilita o aprendizado”, explica Irene.
O lado emocional é fortalecido
“A frustração, por exemplo, é um excelente aprendizado que ocorre nas
brincadeiras. Quando a criança é derrotada no jogo, ela aprende a sentir como é
perder. Da próxima vez, quando o amigo perder, ela vai entender como ele se
sente. Isso se chama empatia”, afirma Irene.
A educação infantil é o primeiro contato social fora de
casa
“Quando a criança vai para a escola, tem o primeiro contato social fora
de casa. Entram novas linguagens, novas funções, novas experiências. Esse
‘alargamento de mundo’ permite que o cérebro se desenvolva. Existe uma
diferença marcante entre a criança que tem e a que não tem estímulo na educação
infantil. Os pais valorizam só as que sabem ler e escrever – mas a brincadeira
com os colegas é mais importante que isso. Estimula a curiosidade e a busca de
conhecimento. Futuramente, isso fará com que a criança comece a desbravar o
mundo da leitura e da escrita”, finaliza.