UM POUCO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA: UMA REFLEXÃO SOBRE A LEI E O DIREITO NATURAL E CIVIL

Quero, neste espaço, compartilhar com os meus leitores um pouco das minhas produções científicas e acadêmicas. Este artigo intitulado Lex e jus civil e natural em Thomas Hobbes é uma produção da minha autoria que foi recentemente publicado pela Revista ConTextura (qualis B5) da Universidade Federal de Minas Gerais. Este artigo se destina ao publico mais letrado. Entretanto, qualquer leitor pode fazer sua leitura e tirar suas conclusões. 


LEX E JUS CIVIL E NATURAL EM THOMAS HOBBES

FÁBIO COIMBRA
Instituição: Universidade Federal do Maranhão
Titulação: Licenciado em Filosofia; atualmente cursa Mestrado em Cultura e Sociedade


RESUMO

O presente trabalho discorre sobre a temática da “lei” na filosofia de Hobbes. Duas concepções de “lei” serão desenvolvidas com base no pensamento desse autor: a primeira é a Lei Civil que, de acordo com o filósofo, tem como uma de suas pretensões limitar a “liberdade” que a natureza deu a cada um. Já a segunda é a lei natural (as lei da razão) que, não se trata propriamente de lei, mas de uma disposição intelectual capaz de favorecer o advento do Estado. O objetivo é, em suma, trazer a lume algumas das inflexões dadas por Hobbes à idéia de leis, tantos civis, quanto naturais, de modo a contribuir para o aprofundamento da compreensão de sua teoria do Estado.
Palavras-chaves: Hobbes, Lei Civil, Lei natural, Estado

ABSTRACT
This paper addresses the issue of "law" in the philosophy of Hobbes. Two conceptions of "law" will be developed based on the thinking of this author: the first is the Civil Law which, according to the philosopher, has as one of its claims to limit the "freedom" that nature has given to each. The second is the natural law (the law of reason) that it is not exactly the law, but an intellectual disposition able to foster the advent of the state. The goal is, in short, to bring to light some of the inflections given by Hobbes to the idea of ​​laws, many civilians, as natural, in order to contribute to deepening the understanding of his theory of the state.
Keywords: Hobbes, Civil Law, Natural Law, State


1.      INTRODUÇÃO
O trabalho em questão é uma reflexão conjunta sobre o Direito e a Lei Civis, e a lei (ou leis) natural (is) na visão do filósofo inglês Thomas Hobbes. Esta última – também chamada “lei da razão” – não se trata propriamente de lei, mas de uma disposição dos indivíduos para a construção do Estado, conforme se verá.
Em se tratando da estrutura, a pesquisa se compõe de duas partes. A primeira, intitulada “O estado de natureza e a lei natural”, busca explicitar que o direito natural nada mais é do que a liberdade que os indivíduos possuem de fazer o que quiserem, conforme o permitam as condições externas e internas.
Na segunda parte, intitulada “O Estado de sociedade e a Lei Civil”, buscar-se-á corroborar a assertiva de que o que define a Lei Civil é o fato dela ser uma ordem dada pelo Estado àqueles que – para o seu próprio bem, como também para o dos demais – têm a obrigação de obedecer. Nessa perspectiva, atentar-se-á também, nesta segunda parte, para uma evidência da distinção entre a lei civil e a natural, demonstrando o que elas são e o que representaram para os indivíduos tanto na natureza, quanto na sociedade.

2.      O ESTADO DE NATUREZA E A LEI NATURAL OuvirLer foneticamente
Habitar um Estado sempre foi, e continua sendo – desde a instituição do Estado de sociedade –, a arte de submeter-se a um modo de convívio regulado por leis, as quais, em tese, não possuem outro objetivo a não ser o de normatizar os desajustes que vêm à superfície social dado o enredamento das relações. Desse modo, viver em sociedade significa encontrar-se em estado de submissão a regras de convívio social estabelecida, em geral, pelo corpo político chamado Estado cuja função fundamental consiste em gerir o funcionamento da sociedade em todas as suas dimensões.
Dada a complexidade da natureza humana, as Leis – como se verá mais adiante – vêm alume, portanto, como algo necessário para fins de equilíbrio das partes conflitantes, dada a multiplicidade de interesses particulares dispostos num determinado agrupamento, qual seja, o social. Obviamente, viver em sociedade não é uma coisa tão simples como, por acaso, se possa imaginar. É uma ação que requer, antes de tudo, habilidades paras múltiplos fins. Desse modo, para se entender com perspicácia o fenômeno da vida social, compreendendo o seu engenho, seus mecanismos e seu funcionamento, faz jus remontar-se à genealogia da sociedade que – do ponto de vista contratualista – tem sua origem na superação do estado de natureza, dada a ineficácia desse para administra os impasses. Para entender o Estado Social, Hobbes remonta-se à sua origem. Para tanto, ele constrói a hipótese de um estado conhecido como estado de natureza, o qual não se trata de um Estado propriamente dito, tal como entendemos hoje – um corpo político constituído de leis e demais normas que obriga por força ao cumprimento de tais – mas de um modo de vida onde cada um se constitui como senhor de si mesmo cumprindo apenas os desígnios daquilo que suas vontades apetecem.
Um aspecto minucioso e quase inobservável da filosofia política hobesiana, e que aqui releva salientar, diz respeito à dupla finalidade a que Hobbes aspira com a hipótese do estado de natureza tal como formulada por ele: primeiro, justificar o Estado Civil como uma necessidade para a continuidade do gênero, e, segundo, fortalecer a forma de governo por ele defendida, a saber, o absolutismo, conforme referem Mosca e Bouthoul em História das doutrinas políticas:

Entre todas as formas de governo Hobbes prefere a monarquia absoluta, que, segundo ele, parece a mais distanciada do estado de natureza, uma vez que a vontade do Estado se identifica com a vontade de um único indivíduo (MOSCA; BOUTHOU, 1968, p. 190-191).

Em outra passagem da mesma obra, esses autores vão mais ao fundo para evidenciar a fonte de inspiração de Hobbes para teoria do estado de natureza como um estado de guerra. Segundo eles,

Para chegar a justificar o governo absoluto, Hobbes parte da descrição do estado de natureza que, segundo se acreditava comumente por esta época, teria precedido o estado social. Encontra-se sem nenhuma dúvida no curso dessa descrição, traço do primeiro livro de história de Tucídides, no qual este autor conta que numa época longínqua os gregos viviam de rapinagens e de violências, e que a única lei era a do mais forte”(Idem, loc. cit).

O que se destaca, neste caso, é a influencia de Tucídides na formulação do pensamento político de Hobbes. Sendo assim, é cabível supor a teoria do estado de natureza como um estado de guerra, tal como apresentada por Hobbes, como uma resultante direta desse diálogo entre Hobbes e Tucídides.
No que diz respeito ao suposto estado de natureza, passou a ser próprio do pensamento hobbesiano a concepção de que esse é permeado por uma espécie de insegurança constante onde de nada se tem garantia, a não ser enquanto se tem força suficiente para tal. Esse estado mostra-se, portanto, ineficiente para a promoção da paz dado que há sempre uma tensão entre os indivíduos de tal maneira que qualquer desconfiança – por mínima que seja – já constitui razão suficiente para que uma guerra, ou um conflito se inicie. Se por um lado é fácil iniciar uma desavença entre os indivíduos membros desse estado, por outro, difícil é por fim a essa situação tendo em vista a inexistência de instituições jurídicas que possam deliberar sobre o caso e resolver o impasse. Para citar Ascísio,

Dentro do estado de natureza, existem dificuldades para se arbitrar sobre os conflitos que aparecem, surgindo daí a necessidade de se organizar uma forma para a administração de tais conflitos. É preciso organizar as relações sociais de tal maneira que as decisões que possam ser tomadas não fiquem apenas no âmbito da opinião pessoal, mas ao contrário, no âmbito de organismos reguladores, criados pela atitude racional dos membros que compõe o corpo social e que estão dispostas no estado de natureza”. (PEREIRA, 2002, p. 24).

Essa dificuldade de resolução para os problemas que surgem nesse estado, evidentemente, constitui uma razão fundamental pela qual Hobbes é levado a pensar as “leis” de natureza como insuficiente para a garantia da ordem e da paz. Daí a razão pela qual ele afirma que “as leis naturais [...] não são propriamente leis, mas qualidades que predispõem os homens para a paz e obediência. Só se tornam leis efetivamente após instituído o Estado” (HOBBES, 1974, p. 166). Aqui Hobbes já assinala a necessidade da criação de uma instituição suficientemente forte para a organização da vida social pela determinação do que é certo e o que é errado, dando ao conhecimento dos indivíduos o que lhes é e o que não lhes é permitido fazer. O que caracteriza essa instituição é, sobretudo, o fato de que ela detém força e poder para obrigar a todos ao cumprimento daquilo que ela determinar como conveniente para a totalidade dos indivíduos, e que, como tal, deve ser cumprido e respeitado. Essa instituição que surge como uma nova forma de vida para o homem chama-se Estado para os gregos e Cívitas para os latinos, de onde vem a denominação Estado Civil, para designar o Estado de sociedade. No pensamento de Hobbes, o Estado é concebido como um homem artificial gerado a partir da restrição do direito natural inerente a cada indivíduo. Por direito natural, em Hobbes, entende-se a liberdade absoluta herdada da natureza, liberdade essa que passa a ser tolhida pelas leis civis, dado o surgimento do Estado Civil enquanto corpo político normativo, regulador e administrador das ações e relações humanas, como o filósofo refere em sua engenhosa obra Leviatã,

Direito é liberdade, nomeadamente a liberdade que a lei civil nos permite. A lei civil é uma obrigação, que nos priva da liberdade que a natureza nos deu. A natureza deu a cada homem o direito de se proteger com sua própria força. Deu também o direito de invadir um vizinho suspeito a título preventivo. Já a lei civil tira essa liberdade, em todos os casos em que a proteção da lei pode ser imposta de modo seguro.” (Idem, op. cit., p. 178).

O que se evidencia aqui é a distinção estabelecida por Hobbes entre direito natural e Direito Civil. Enquanto o primeiro, como ficou óbvio, é a liberdade que o individuo tem para cumprir suas vontades independentemente de intervenções, o segundo, à sua vez, é a liberdade que o indivíduo possui de fazer não o que quer, mas aquilo que o Estado lhe ordenar por meio das leis. O Estado, esse homem artificial que surge – até certo ponto – em oposição ao homem natural, Hobbes compara-o ao leviatã, em outros termos, um monstro que, detendo a espada e o poder, aterroriza aos que não se ajustarem aos seus desígnios, e atentarem à promoção da desordem e o caos tal como na situação de natureza.
A idéia de Estado enquanto leviatã, terminologia bíblica, já é suficiente para demonstrar a função primordial inerente ao homem artificial, tal como elucidam Mosca e Bouthoul: “a fim de mostrar a onipotência que o governo ideado por ele devia possuir, Hobbes compara-o a esse peixe monstruoso de que fala a bíblia, isto é, ao Leviatã, que, sendo o maior de todos os peixes, impedia os mais fortes de engolirem os menores” (MOSCA; BOUTHOU, op. cit., p. 191).  O que se observa aqui, à luz desses autores, é que a preocupação fundamental de Hobbes parece consistir em encontrar um meio pelo qual, os mais fortes sejam impedidos de obstaculizar a vida dos mais fracos. Parece que o meio mais eficaz que Hobbes pensa para isso é a criação do Estado civil, que se diferencia do estado de natureza, por razões já mencionadas, para reiterar, a restrição do direito natural.
No estado de natureza, como já é sabido, o que caracteriza a vida é a ilimitação de liberdade para a ação. Cada um pode, desse modo, fazer o que quiser e na hora em que achar melhor, conforme a sua própria vontade lhe aprouver. Não há no estado de natureza nada que possa ditar regras de convívio capaz de abarcar a todos. Nesse estado é o próprio indivíduo que promove sua defesa perante a guerra, ou ameaça do seu vizinho, portanto, o indivíduo é juiz de si mesmo. Sendo juiz de si mesmo, não pode se condenar, mas apenas ao outro, que também é juiz de si. Como a razão desses juízes se mostra incapaz para chegar a um consenso, além do que não há nada que possa obrigar um ao cumprimento do que o outro estabelecer, logo, deduz-se que a justiça nesse estado é inexistente, sobretudo, pelo fato de que as “leis” promulgadas por esses juízes não tem força para obrigar, ou coagir à obediência. As leis nesse sentido não passariam de opiniões pessoais. Não tendo leis, também não há injustiça, já que, segundo Hobbes, “as leis são as regras do justo e do injusto” (HOBBES, op. cit., p. 165). É por isso que se diz que a única lei é a do mais forte. Entretanto, essa lei também é ineficiente para conter a guerra e o caos dado que “o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte” (Idem, op. cit., p. 78), conforme menciona Hobbes. Diante da situação de natureza, o Estado de sociedade – enquanto instituição que pretende regular as ações e comportamentos dos indivíduos formulando e promulgando leis tantas quantas forem necessárias para esse fim – torna-se um engenho imprescindível.

3.      O ESTADO DE SOCIEDADE E A LEI CIVIL
Se o coração do estado natural reside na ausência de limites para a liberdade dos indivíduos dada pela natureza, o coração do homem artificial, por sua vez, vai residir, então, nas leis instituídas e promulgadas por esse, ou seja, pela autoridade soberana. As leis civis, tais como são apresentas por Hobbes, como pode se observar, especificamente no capítulo XXVI do Leviatã, são “[...] aquelas que os homens são obrigados a respeitar, não por serem membros deste ou daquele Estado em particular, mas por serem membros de um Estado” (Idem, op. cit., p. 165). Daí a razão pela qual foi dito anteriormente, que viver em um Estado é a arte de viver segundo regras de caráter geral. O que caracteriza a lei civil, nesse sentido, é a obrigação que os indivíduos têm para respeitá-la, diferentemente da situação de natureza. Sendo formulada pelo Estado, a lei, passa, então, a ser uma ordem dada pelo próprio Estado àqueles que, para o próprio bem, assim como para o dos outros, têm a obrigação de obedecer. Uma vez ditada por esse homem artificial – autorizando, ou proibindo aos homens a prática de determinados atos – a lei constitui a medida fundamental pelo qual o Estado discrimina o justo do injusto, punindo, consequentemente, àqueles que agirem injustamente, ou seja, contra as regras estabelecidas, já que tem força suficiente para isso. De acordo com Hobbes, “A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal; isto é, do quer é contrário ou não à regra.” (Idem, op. cit., loc. cit.). Deduz-se daí que a lei civil, constituída como medida do bem e do mal representa, para os indivíduos, aquilo que é a vontade do Estado, e que como tal deve ser cumprida e respeitada por todos, já que é uma ordem do soberano – independentemente desse ser um homem, ou uma assembléia. Trata-se, portanto, de um meio fundamental pelo qual o Estado busca administrar a vida social. Cumpre assinalar que as leis do Estado não devem ser para os indivíduos algo imposto contra a sua vontade, pois foi pelo consenso de todos, para fins de conservação de suas vidas, suas proles, seus bens e para a garantia da paz, que essa instituição fora criada. Portanto, devem ser boas as razões pelas quais se devem obedecer, para citar Skinner, “se o Estado é para sobreviver, as pessoas devem obedecer-lhe não pelo medo que têm das conseqüências da desobediência, mas antes pelo reconhecimento de que há boas razões para aquiescer ao seu domínio” (SKINNER, 2010, p. 151).
Em se tratando de quem deve, ou a quem compete fazer a lei, Hobbes é claro ao enunciar no capítulo XXVI do Leviatã, conforme se lê,

Em todos os Estados o legislador é unicamente o soberano,  seja este um homem, com numa monarquia, ou uma assembléia, como numa democracia ou numa aristocracia. [...] Só o Estado prescreve e ordena a observância das regras a que chamamos leis, portanto, o Estado é o único legislador. Mas o Estado só é uma pessoa, com capacidade para fazer seja o que for, através do representante (isto é, o soberano), portanto, o soberano, o soberano é o único legislador. Pela mesma razão, ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano, porque uma lei só pode ser revogada por outra lei, que proíba a sua execução.” (HOBBES, op. cit., p. 166)


Esse trecho do leviatã, expressa de forma óbvia o pensamento de Hobbes quanto à pessoa do soberano. Esse, por sua vez, é o único representante legal do Estado autorizado a fazer leis e revogar àquelas que assim julgar necessário. Como tal, ele goza de total liberdade para não se submeter às leis que, como ator, institui em nome dos autores, que são aqueles que a ele concederam absoluto poder. Nesse sentido, Hobbes mostra que o soberano é imparcialmente livre dado que pode muito bem suspender àquelas leis que – de algum modo – possam lhe prejudicar, e fazer outras que possam lhe beneficiar. Cumpre aqui ressaltar que o bem do soberano é o bem de cada um dos súditos do Estado. Em outros termos, o que define o soberano, como teorizado por Hobbes, é o fato de que ele não está sujeito à obediência da lei. Para esclarecer melhor essa questão, considera-se, então, o que refere Hobbes no Leviatã:

O soberano de um Estado [...] não se encontra sujeito às suas próprias leis civis. Dado que tem o poder de fazer e revogar as leis, pode quando lhe aprouver libertar-se dessa sujeição, revogando as leis que o estorvam e fazendo outras novas; por conseqüência já antes era livre. Porque é livre quem pode ser livre quando quiser. E a ninguém é possível está obrigado perante si mesmo, pois quem pode obrigar pode libertar, portanto, quem está obrigado apenas perante si mesmo não está obrigado” (Idem, op. cit., loc. cit.).

Hobbes mantém, portanto, a concepção de que o soberano é absolutamente livre, dado que nada o pode obrigado a submeter-se à vontade de outrem. Liberdade nesse, sentido – no caso, a liberdade do soberano – significa impossibilidade de sofrer qualquer tipo de coação externa aos desígnios de sua razão. Em outras palavras, significa dizer que nada pode impedir o soberano de agir conforme sua vontade. Para ilustrar melhor isso, cabe referir o que diz Skinner em Hobbes e a liberdade republicana:

“[...] Hobbes estabelece tão claramente quanto possível que ser um homem livre nada tem haver com o ter que viver sui iuris, ou ter que viver independente da vontade de outrem; isso significa simplesmente não está incapacitado por impedimentos externos a agir segundo a vontade e poderes próprios.” (SKINNER, op. cit., p. 149).

Conforme explica Skinner, Hobbes parece reforça a sua posição quanto a liberdade do soberano ao insistir que nenhuma ação exterior possa refrear sua vontade de agir, conforme sua razão lhe deleitar.
Outra preocupação de Hobbes consiste em esclarecer o sentido e a finalidade da lei. Quanto a esse ponto, ele é objetivo:

A finalidade das leis não é outra senão essa restrição, sem a qual não será possível haver paz. E a lei não foi trazida ao mundo para nada mais senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros [...]”. (HOBBES, op. cit., p. 167).

 Essa limitação da lei civil que recai sobre o individuo, diz respeito, à liberdade ilimitada que existia no estado de natureza. É justamente para limitar essa liberdade que a lei civil foi feita. Entretanto, isso não quer dizer que a “lei” natural seja algo de absurdo que a lei civil busca combater. Segundo Hobbes, há uma complementaridade mútua entre elas. Nesse sentido, ele diz que “A lei civil e a lei natural não são diferentes espécies, mas diferentes partes da lei, uma das quais é escrita e se chama civil e a outra não é escrita e se chama natural.” (Idem, op. cit., loc. cit.). O que importa ressaltar é o fato de que a obrigação que recai sobre os indivíduos de obedecerem à lei civil, diz respeito exclusivamente ao fato dela ser uma lei escrita, justamente para facilitar que todos dela tomem conhecimento. Se assim não o fosse, não seria lei civil, e sim, natural. 

4.      CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao refletir sobre a importância e o sentido da lei no contexto da filosofia política hobesiana, este trabalho procurou ilustrar, primordialmente, como as leis (tanto civis, quanto naturais) se constituíram de tal forma a se tornarem indispensáveis ao advento e continuidade da vida do homem artificial, ao qual chamamos Estado: é impossível existir um Estado onde as Leis não se fizerem presente. Como tal, a lei civil é caracterizada pela obrigação dos súditos a obedecê-la. O mesmo não ocorre na situação de natureza, onde a lei, dada a ausência de um poder comum, não tem força para obrigar os súditos ao cumprimento das normas, permanecendo, portanto, a situação de guerra. Por essa razão, essas (leis naturais) não se tratam propriamente de leis, tal como na sociedade civil, mas de uma disposição inerente a cada um em particular para a construção do Estado.
Cumpre ressaltar que na visão de Hobbes, a “lei” natural e a Lei civil se complementam. E foi nesse sentido que elas foram apresentadas como sendo apenas diferentes partes da lei, sendo que a distinção básica que há entre elas reside apenas no fato de que enquanto uma é escrita, a outra não o é. Assim, as leis civis constituem a medida fundamental pela qual o Estado distingue o justo do injusto. Consequentemente cabe a punição àqueles que agirem injustamente. Por ação injusta, aqui, deve-se entender todas aquelas ações que – de algum modo – se configuram como afronta às normas estabelecidas pelo Estado, normas essas que objetivam, exclusivamente, restringir a liberdade que a natureza deu a cada um. Obviamente, é por meio dessa restrição que se gera a ordem, sem a qual não é possível haver Estado enquanto órgão normatizador. 



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